Curitiba – A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que afastou Maurício Requião do cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Paraná (TC) tem equívocos de interpretação sobre a Súmula Vinculante 13, afirma o presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional, o advogado e jurista Flávio Pansieri. Ele não está só os professores Romeu Felipe Bacellar Filho, Fernando Gustavo Knoerr e Guilherme Gonçalves argumentam que a liminar que afastou Maurício se equivoca ao lançar mão da Súmula, uma vez que o conselheiro foi eleito pela Assembléia Legislativa, e não escolhido pelo governador.
Os pontos que geraram a decisão foram mal compreendidos pelo Supremo. Me parece que a decisão não irá perdurar, por falta de embasamento legal. Os ministros podem ter sido levados a erro por fatos narrados na petição, diz Pansieri. Me parece que a decisão parte de pressuposto falso, está claramente equivocada. Em defesa dos ministros, diga-se que não houve chance do contraditório pela maneira como o processo subiu ao STF. Não houve possibilidade de defesa para Maurício e a Assembléia Legislativa. Uma vez trazidos outros dados ao processo, a decisão tende a ser reformada, acredita Gonçalves.
A função de conselheiro do TC é cargo efetivo do Estado, e nesse caso a Súmula 13 não se aplica em hipótese alguma, afirma Pansieri. A Súmula 13 proíbe a nomeação de parentes em cargos de confiança, explica Knoerr, que é doutor em Direito de Estado e professor de Direito Administrativo. No caso de Maurício, há duas razões por que a Súmula não se aplica a escolha não é do governador, mas da Assembléia Legislativa, que tem autonomia para isso. A nomeação pelo governador é um ato meramente formal, um anúncio da escolha feita pelos parlamentares, diz.
A indicação não é do governador, mas do parlamento. Por isso, a nomeação do conselheiro é um ato administrativo complexo, que resulta da somatória de vontades. E, nesse caso, a principal vontade é da Assembléia, que ofereceu o nome de uma pessoa para ser investida no cargo. O governador chancelou a nomeação de Maurício, como teria de chancelar qualquer outro nome, afirma Bacellar, professor na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC).
Além disso, a Súmula 13 foi editada após a nomeação de Maurício para o TC, e ela não retroage, ela passa a ter validade a partir de sua publicação, prossegue Bacellar. O princípio que assegura que os deputados escolhem o conselheiro prevalece sobre a Súmula, fala Gonçalves, advogado especializado em Direito Público e Direito Eleitoral e professor da Faculdade de Direito Curitiba e de cursos de pós-graduação da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Por definição constitucional, cargos de confiança ou cargos de comissão são de livre provimento e exoneração. Mas um conselheiro do TC é vitalício, não cabe ao governador exonerá-lo, mas apenas ao Poder Judiciário, em casos de comprovada improbidade, explica Knoerr. Se a Súmula 13 valesse num caso como esse, também proibiria que o filho de um governador ou de qualquer ocupante de cargo eletivo prestasse um concurso para juiz, por exemplo. Um dos fundamentos do voto do relator da liminar (ministro Ricardo Lewandowski) é que o cargo de conselheiro é meramente administrativo. Penso que não, até pela garantia de vitaliciedade que lhe confere a Constituição Federal, argumenta.
Em seguida, (o voto do relator) argumenta que houve pressão sobre os deputados com a votação aberta. Mas a própria Constituição Federal prevê votação aberta para a escolha dos membros do Tribunal de Contas da União (TCU) de indicação do Congresso Nacional, afirma Pansieri. A votação secreta só é exigida quando a indicação é do presidente da República, no caso do TCU, ou do governador, no caso do TC.
A Constituição do Estado do Paraná prevê a votação aberta, e foi respeitada. E não se pode argumentar que a norma é inconstitucional perante a Constituição Federal. O voto aberto foi uma opção dos constituintes estaduais, que me parece até mais democrática. Se a votação tivesse sido secreta, aí sim teria havido inconstitucionalidade. É um caso de especificidade se há, na Carta paranaense, uma norma específica dizendo que no Paraná as votações são abertas, ela prevalece sobre a regra geral, ensina Knoerr.
DECISÃO DE ROMPANTE Tenho posição firmada a respeito do nepotismo e da Súmula Vinculante 13. Não acredito que se possa generalizar, dizer que toda nomeação de parente é ilegal. Cito um caso recente num país da América Central o presidente eleito era irmão de um médico muito respeitado, que trabalhava e lecionava nos EUA. Pois ele foi convidado para ser ministro de Estado, o que acarretava abrir mão de uma carreira, de um salário maiores, e foi atacado pela oposição, que bateu na tecla do nepotismo, pondera Bacellar.
Em algumas situações, cometem-se injustiças absurdas, pois pessoas preparadas e não tenho dúvidas de que Maurício Requião é um homem preparado são prejudicadas por serem parentes de políticos eleitos. Me assusta, na Súmula 13, a maneira genérica com que foi tratada o tema do nepotismo. No Brasil, as coisas são feitas de rompante. Não se pode outorgar à Súmula 13 um caráter genérico, em que qualquer nomeação de parente é imoral. Claro que existem nomeações imorais. Mas cada caso é um caso, argumenta.
Tenho muitas críticas até à forma de investidura dos conselheiros dos Tribunais de Contas, que acho que deveriam ser eminentemente técnicos, administradores da coisa pública. E, até nesse aspecto, Maurício preenche requisitos, pois foi secretário, atuou na administração pública, acrescenta Bacellar.
(AEN)